segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Acesso negado à chave do conhecimento

Pouca gente sabe mas, no último dia 29 de outubro, foi comemorado o "Dia Nacional do Livro". Escolhida por representar a fundação da Biblioteca Nacional, a data, infelizmente, não costuma ser lembrada pela grande maioria dos brasileiros, provavelmente pelo fato de não significar um feriado prolongado ou um dia de descanso no trabalho. Esquecer a importância da leitura para a construção da cidadania e de uma sociedade mais justa e democrática, porém, é um mal que pode levar gerações para ser reparado.
Em artigo escrito recentemente, o ex-representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Jorge Werthein, ressalta por que o incentivo à leitura é matéria essencial quando se fala em desenvolvimento sociocultural. "A pessoa que não sabe ler, nem escrever, se sente profundamente limitada e discriminada. Não consegue entender o jornal, não sabe pegar ônibus, nem possui condições para obter um emprego. Sua auto-estima é baixa", relata o atual diretor-executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla).
Ainda segundo o dirigente, disposição não falta para que o brasileiro consiga ler mais e melhor. "O Instituto Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf) informa que 67% dos brasileiros têm interesse na leitura. Mas, dos 5.564 municípios existentes no país, em cerca de mil não existem bibliotecas. E, em 89% deles, não existem livrarias", destaca Werthein, como numa forma de puxar o barbante do novelo e começar a descobrir as causas da falta de leitura no cardápio do brasileiro.
Em entrevista publicada na última página da edição, o secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), José Castilho Marques Neto, defende os esforços do governo neste sentido. "Este é um caminho que, de acordo com o conjunto de ações que estamos implantando com outros ministérios, nós esperamos reverter." As críticas aos esforços do governo, porém, parecem ser a tônica das opiniões de representantes da comunidade acadêmico-cultural.
Presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia, Nêmora Rodrigues lamenta a situação das bibliotecas. "Elas passam por uma série de dificuldades, falta acervo atualizado e equipamentos para se tornarem mais atrativas. Hoje, com a multimídia e todas as oportunidades de interação, o computador poderia ser um atrativo para a pessoa freqüentá-la e, a partir daí, ler também o livro em papel", afirma.
Para o presidente do Instituto Pró-livro, responsável pela pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", Jorge Yunes, a falta de leitura está vinculada aos níveis de escolaridade do país. "O incentivo à leitura nas escolas é muito importante, o governo tem que trabalhar para que esse índice seja igual no Brasil inteiro. Se a escolaridade aumentar, com certeza a leitura aumenta também", aponta.
Presidente de honra da Academia Brasileira de Filologia, Leodegário de Azevedo Filho vai além e cobra qualidade. "A leitura é muito importante para a construção de uma consciência cidadã. Mas, antes de tudo, precisamos questionar que tipo de leitura é essa. É necessário estabelecer uma relação entre o proveito da leitura e o conceito de cidadania. Tanto a leitura quanto uma interpretação crítica dos textos lidos levam o leitor a conhecer os direitos humanos e, de uma maneira geral, seus direitos e deveres perante a sociedade", comenta o professor de Língua Portuguesa.
Ainda segundo o educador, a leitura é indispensável para a construção do cidadão, mas enfrenta sérios concorrentes. "O Brasil, hoje, é um país ilegível, que não lê. E, para que isso esteja acontecendo, vários fatores contribuem. A televisão, por exemplo, é muito útil, importante para o entretenimento das pessoas, mas rouba muito tempo em nossos lares. Tempo esse que poderia ser dedicado à leitura."
Leodegário finaliza o seu raciocínio lembrando da importância da educação para a resolução do problema. "Num país que tem 14 milhões de analfabetos entre 7 e 14 anos, como podemos ter um público leitor? É por isso que esta questão passa pela educação, de uma forma geral. A leitura é a verticalização, a formação crítica do conhecimento. Mas o fator principal para que tenhamos uma população cidadã é a educação", estabelece o educador.

Fundo Pró-Leitura poderá ser criado pelo governo
A preocupação quanto à falta de incentivo à leitura no país chegou ao Congresso Nacional no Dia do Livro. Reunidos para o I Seminário de Incentivo à Leitura no Brasil, promovido pela Frente Parlamentar Mista da Leitura e realizado na Câmara dos Deputados, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, parlamentares e dirigentes ligados ao meio literário discutiram soluções para o setor. "O Fundo Pró-Leitura, uma forma de financiamento das ações previstas no Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), poderá ser criado por decreto presidencial", anunciou o ministro.
O fundo seria uma contrapartida do setor livreiro, com cerca de 1% de seu faturamento anual, à desoneração imposta pelo governo federal de impostos como PIS e Cofins sobre a produção de livros no país. Se aprovado, pode gerar R$46 milhões por ano para as políticas oficiais de incentivo à leitura. Um dos entraves para a sua criação é o conceito de ser conflitante com a proposta de reforma tributária da União. Mas o ministro tratou de garantir que as negociações no Palácio do Planalto estão adiantadas. "Não é imposto, mas contribuição voluntária", explicou.
Coordenador da Frente Parlamentar, o deputado Marcelo Almeida (PMDB-PR), lembrou que fará uma mobilização nos próximos dias para convencer lideranças partidárias da importância do Fundo. "Dificilmente há oposição quando o assunto é leitura. O mundo da leitura é um mundo diferenciado. Nele, as pessoas não são nem de direita, nem de esquerda. Acho que todo mundo está no meio e com um passo à frente", considerou.
O deputado lembrou que a situação do país é preocupante em relação às estatísticas que apontam hábitos de leitura. "O país lê muito pouco. Na França, por exemplo, são 10 livros por ano para cada cidadão, enquanto aqui temos uma média de 4,7. O prazer da leitura ainda não está embutido na alma do brasileiro", lamentou.
Além de recursos, os participantes do encontro sugeriram medidas práticas para incentivar a leitura entre os brasileiros. Segundo o jornalista Laurentino Gomes, autor do livro 1808, a quase ausência do hábito de ler livros no Brasil é um dado histórico e remonta aos tempos do Brasil Colônia. "Somente com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, há 200 anos, o país passou a ter livros e imprensa, ainda assim com censura", destacou.
Segundo ele, que contou com o apoio do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), presidente da comissão de Educação e Cultura do Senado, a edição de livros em vários formatos e linguagens, para atender aos diferentes interesses de crianças, jovens e adultos, pode ser uma solução viável. Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aníbal Bragança sugeriu uma intervenção junto aos os leitores, para que as políticas públicas possam atender melhor às suas necessidades.

Pesquisa indica dados preocupantes
O número é revelador: 77 milhões de brasileiros não lêem livros regularmente. Esta é a constatação da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", encomendada ao Ibope pelo Instituto Pró-Livro, divulgada em maio e que abrangeu 172,7 milhões de pessoas, já que foi aplicada em 5.012 pessoas de 311 municípios, ou seja, 92% da população. Segundo o relatório, 95 milhões de brasileiros leram pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa, realizada no final de 2007.
As mulheres lêem mais do que os homens, e a Bíblia é a obra mais importante para os adultos. As crianças, por sua vez, preferem publicações como o "Sítio do Pica-pau Amarelo", "Chapeuzinho Vermelho" e a série "Harry Potter". A adolescência e a infância são apontadas como as fases em que as pessoas mais lêem: sete crianças, em cada grupo de dez, são leitoras.
De acordo com a pesquisa, 66% dos livros estão nas mãos de 20% da população; 8% dos brasileiros não têm nenhum livro em casa; e 4% têm apenas um. A maioria dos leitores (55%) costuma ler apenas trechos ou capítulos; 11% pulam páginas e 38% lêem o texto inteiro. O estudo mostrou, ainda, que 21,4 milhões dos leitores têm contato com os livros apenas por obrigação, mas 71,7 milhões dizem sentir prazer nessa atividade. Os escritores mais admirados no Brasil são Monteiro Lobato, Paulo Coelho, Jorge Amado e Machado de Assis.
O relatório também aponta que os classificados como não-leitores estão na base da pirâmide social: 28% deles não são alfabetizados e 35% estudaram só até a 4ª série do ensino fundamental. Entre os motivos para não ler, a falta de tempo aparece como o mais apontado, com 29%. Outros 28% não lêem porque não são alfabetizados e 27% porque não gostam ou não têm interesse.
Entre as limitações, 16% afirmaram possuir ritmo lento de leitura e outros 7% disseram não compreender a maior parte do que lêem. As regiões Norte e Nordeste, que apresentam os menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do país, também registraram as menores médias de leitura por habitante/ano: 3,9 e 4,2 respectivamente. A média nacional é de 4,7 livros ano/habitante. Na Região Sul, a média de leitura anual é maior do que a nacional, com 5,5 livros.
Fonte: Site Folha Dirigida - acesso em 10/11/2008.

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